sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Transitório - Exposição João Paulo de Carvalho


Numa época de sobreposições, descartabilidades e obscenidades gráficas em que vivemos, as aquarelas sensíveis de João Paulo de Carvalho são um oásis. Nunca este universo foi tão caro e inspirador. Uma lacuna no tempo-espaço de nossas rotinas caóticas.  
João, filho de Hopper e de tantos outros gênios, paralisa o transitório em aguadas – adormece o sol e esquenta nossos olhares. 
São fragmentos de dia-a-dia que guardam a memória de milhares de fotografias não fotografadas. A memória da cidade – desta ou qualquer outra. Porque são personagens comuns a todas elas – o senhor que transforma o petit-pavé em sombras esperando as árvores secarem, o andarilho levado pela sombra da bengala a passear, o amigo do cão velho, a moça que passa em branco sobre a rua, dois amigos que conversam sobre lembranças acinzentadas do passado, um homem que olha para fora do limite do papel, um cara de boné e guarda-chuva protegido duplamente por espessas pinceladas escuras...
Como nossos antepassados impressionistas, João caminha pelas cidades – munido de seu olhar antigo, ingênuo e escancarado – tal qual um flâneur contemporâneo, mas que ao contrário do nobre personagem de Baudelaire, guarda para si alguns momentos. São postais urbanos. Colecionismo aquarelado. Álbum de figurinhas em preto e branco.  Quem não gostaria de colecionar cenas-de-João? 
Coincidentemente, João é um dos nomes que Dalton Trevisan mais utilizou em seus contos pelas ruas de nossa cidade. Nosso querido vampiro utiliza de nomes tradicionais como este para representar através do comum, o intrínseco e excepcional no cidadão imaginário. Simulacros da vida real. 
Assim como nosso vampiro, João transita invisível pelas ruas. Sempre sedento, mas sem medo do sol. (São tantos Joãos, Marias, Trevisans nas pinturas dele!) 
A cidade repete seus heróis, para nos reconhecermos neles.  
Assim como as criações de Hopper, Dalton Trevisan e Baudelaire, as aquarelas de João ficarão para além de nós e falarão melhor sobre nós do que nós mesmos. Deste tempo, desta cidade, de nossos contemporâneos. Como crônicas desenhadas de pessoas que podem ou não terem sido reais. Mas que de uma forma ou outra, viverão para sempre, adormecidos pelo magnífico sol ou protegidos na sombra das manchas do mestre e colecionador João Paulo de Carvalho. 

(Fabiano Vianna, Agosto 2017)

Frida Kahlo - 110 Anos

Tive a honra de participar desta exposição - Frida Kahlo 110 Anos, escrevendo o texto de apresentação e outros contos sobre a vida dela. Inicia amanhã, dia 11 de novembro, a partir do meio-dia. 
12 artistas expressam em suas obras a vida e momentos importantes de Frida. 
Dia: 11 de Novembro de 2017
Local:Instituto Cervantes de Curitiba 
Rua Ubaldino do Amaral, 927 - Alto da Rua XV (Local da Fábrica e Instituto Goethe)
Período exposição: 13 de novembro a 16 de dezembro




Frida Kahlo está deitada numa cama que flutua sobre a cidade de Curitiba. Dela saem fios vermelhos que a conectam com os 12 artistas que integram esta fantástica exposição: Adelina Nishiyama, Alvaro Posselt, Andrea Horn, Birgitte Tümmler, Cecifrance Aquino, Elisabeth Sekulic, Lucy Reina Orquiza, Nani Silveira, Rodney Rauth, Rogério Borges, Sandra Köche e Simone Sgorla.
Seus olhos criativos flanam pelas ruelas da casa da pequena que cresceu protegida por imensos braços de samambaias, caveiras de papel, cachorros de argila, gansos de gesso, colossos de barros e gatos bípedes em Coyoacán, no México. Numa casa de paredes azuis, cactos íntimos, borboletas garatujadas e pequenos lagos de memórias diluídas.
As lembranças escorrem pelas mãos dos artistas, em novas interpretações – pictóricas, desenhadas, esculpidas.
Para recriar o universo de Frida é preciso atravessar espelho, o que a acompanhou e refletiu a vida toda, instalado por sua mãe, na cobertura de sua cama selvagem. Alguns outros espelhos podem revelar Frida, só é preciso olhar no ângulo certo. E é isso que estes 12 artistas fazem com maestria.
(Outras telas que ela nunca pintou, permanecem escondidas e intactas, do outro lado do espelho).
Fora de seus corpos e amarrados à Frida por fios vermelhos, voltam ao México, Paris, Nova Iorque. Durante a viagem, as sobrancelhas crescem, a perna afina, o esqueleto estrala.
Vivemos, hoje, numa época marcada pela saturada replicação de rostos em selfies e autorretratos de câmeras digitais. Pensar que ela passou toda sua existência tentando se ver, criando autorretratos. E até hoje ainda é possível vê-la (do outro lado espelho, deitada sobre a cama), replicando seus retratos, recriando os mesmos sentimentos, percorrendo novos possíveis caminhos.
Talvez esta exposição seja uma continuação de seu trabalho, ou façamos isso com ela através dos tempos. Uma história que continuará a ser escrita a distância e em diversas partes do universo.
Criar para tornar legítimo; palpável. O real só torna-se real quando é desenhado; esculpido; escrito; fotografado.
As faces de Frida flutuam sobre um vasto mar vermelho cádmio que banha as praias dos esqueletos dos encarnados, sob o olhar atento daqueles que já subiram e vivem aqui, em locais mais altos que as pernas dos murais de Diego Rivera.
(Fabiano Vianna, Novembro 2017)



Frida Kahlo está acostada en una cama que flota sobre la ciudad de Curitiba. De ella salen hilos rojos que la conectan con los 12 artistas que integran esta estupenda exposición: Adelina Nishiyama, Alvaro Posselt, Andrea Horn, Birgitte Tümmler, Cecifrance Aquino, Elisabeth Sekulic, Lucy Reina Orquiza, Nani Silveira, Rodney Rauth, Rogério Borges, Sandra Köche y Simone Sgorla.


Sus ojos creativos vagan por las callejuelas de la casa de la pequeña que creció protegida por inmensos brazos de helechos, calaveras de papel, perros de arcilla, ocas de yeso, colosos de barro y gatos bípedos en Coyoacán, México. En una casa de paredes azules, cactus íntimos, mariposas garabatos y pequeños lagos de memorias diluidas.

Los recuerdos se escurren entre las manos de los artistas, en nuevas interpretaciones - pictóricas, dibujadas, esculpidas, poetizadas.
Para recrear el universo de Frida es preciso atravesar el espejo que la acompañó y reflejó toda su vida, instalado por su madre en la cubierta de su cama salvaje. También otros espejos pueden revelar a Frida, sólo hay que mirar en el ángulo correcto. Y eso es lo que estos doce artistas hacen con maestría.
(Otras pantallas que ella nunca pintó permanecen ocultas e intactas del otro lado del espejo).
Fuera de sus cuerpos y atados a Frida por hilos rojos vuelven a México, a París y a Nueva York. Durante el viaje, las cejas crecen, las piernas se afinan y el esqueleto estalla.
Vivimos hoy en una época marcada por la saturada replicación de caras en selfies y autorretratos de cámaras digitales tal y cómo Frida pasó toda su existencia intentando verse y creando autorretratos. Y hasta hoy todavía es posible verla (del otro lado espejo, acostada sobre la cama), replicando sus retratos, recreando los mismos sentimientos y recorriendo nuevos caminos.
Tal vez esta exposición sea una continuación de su trabajo, o hagamos eso con ella a través de los tiempos. Una historia que continuará siendo escrita a distancia y en diversas partes del universo.
Crear para hacerlo legítimo, palpable. Lo real sólo se vuelve real cuando se dibuja, se esculpe, se escribe y se fotografía.
Las caras de Frida flotan sobre un vasto mar rojo cadmio que baña las playas de los esqueletos de los encarnados, bajo la mirada atenta de aquellos que ya han subido y viven aquí, en lugares más altos que las piernas de los murales de Diego Rivera.
(Fabiano Vianna, Novembro 2017)