terça-feira, 27 de agosto de 2013

O Bosque Circular


... capturar o Bosque do Papa num desenho circular. Trezentos e sessenta graus. Mestre Marconi trouxe o caderno – com páginas brancas coladas umas nas outras e eu esbocei a panorâmica. Apoiamos o caderno no palco cíclico que virou uma mesa. Onde acontecem as danças em dias de festas.
Porém, o que parecia simples no começo, tornou-se complexo, devido ao curto espaço de tempo – duas horas, e grande quantidade de elementos: árvores, casas, jardins, caminhos, duendes... Eu disse duendes?
E o círculo não se fechava. O desenho começava numa ponte e terminava nela mesma, porém era diferente. E tenho quase certeza que as árvores se moviam. Inclusive os homens-azuis também disseram isso. E dá-lhe aquarela, respingos de tinta, traços em nanquim e spray. Di Magalhães, Fernando Nolasco, Caroline Lemes, Giovana Lago, José Marconi, Lia Rossi, eu e Cassio Shimizu.
Alternávamos posições e cada um via/desenhava um bosque. Na intersecção dos planos, formou-se um abismo negro e foi de lá que todas as coisas surgiram: besouros de cabeças azuis com olhos nas costas, amores perfeitos, árvores barbadas, casas de madeira, burburinhos e discussões miniaturas.
Não era possível ver o fim do caminho de pedras.
De repente, um lápis branco jogado no meio da relva...
– Onde está minha lapiseira?
Nosso objetivo era...

(18/07/13)





O nanquim que escorre entre os prédios


Ontem nós – croquiseiros urbanos nos encontramos na Praça das Nações. A missão era capturar a panorâmica da cidade, linha do horizonte composta por prédios minúsculos. De lá é possível observar Curitiba de um ângulo muito privilegiado – de cima para baixo. A Praça fica no entroncamento (com via elevada) das avenidas Nossa Senhora da Luz, Mal. Humberto de Alencar Castelo Branco, Sete de Setembro e Rua Raphael Papa – divisa de bairros entre o Alto da Rua XV, Cristo Rei, Jardim Social e Tarumã. Amparados e protegidos por um mural de azulejos, coloridaço, de Poty Lazzarotto.
Eu cheguei atrasado em virtude a uma tragédia caseira envolvendo um frasco de nanquim rebelde que abriu dentro de minha bolsa. (Me senti como o adolescente que deixa o tubo de cola abrir dentro da mochila). Atropelado por uma tsunami negra, fui o caminho todo desviando de nuvens de nanquim fantasmagóricas e tentáculos de polvos delirantes. Só consegui chegar ao local marcado, graças a capitã Raquel Deliberali, que firme no timão, manteve a embarcação de pé em meio a ondas negras assombrosas.
Quando eu e Raquel chegamos à Praça, os mestres José Marconi, Reinoldo Klein, Gustavo Ramos, João Paulo e Simon Taylor já estavam mandando ver numa composição conjunta, de papéis conectados, proposta pelo Marconi – Pajé urbano, jedi da arte, entusiasta dos desafios gráficos.


Foto: Raquel Deliberali

Marconi gosta de provocar novas empreitadas.  E são estas campanhas que nos movem a improvisar. Utilizar os olhos & mãos & pincéis & braços & mente de formas não imagináveis. Foi ideia dele, durante a semana, que fizéssemos um painel único, a várias mãos. Para tentar assim capturar a panorâmica. Nunca tínhamos feito isso. Nos outros encontros, sempre desenhávamos casas isoladas. No máximo uma vila delas ou prédios altos.
O local também influiu na inovação, arremetendo suas improbabilidades sobre nós.
Chegamos ao ponto marcado junto com uma dupla de rappers, que inclusive vieram no mesmo ônibus de Wagner Polak. Os caras foram até lá em cima para bater umas chapas. Afinal rappers sempre fotografam com prédios atrás. (Deve fazer parte do pacote. Heheh). E enquanto eu e Wagner – retardatários do dia, decidíamos o que íamos desenhar, o rapper mostrava para os outros colegas o seu último CD gravado – o qual possuía a emblemática faixa intitulada “Trampo de Pedreiro”. 


Foto: Gabriela Alves

Depois de me contar que seu guarda-chuva fora roubado durante o percurso ( o que me deixou tristíssimo, afinal tínhamos nomeado símbolo dos croquiseiros curitibanos),  Wagner teve a ideia de montarmos uma tripa de Canson, e desenharmos uma panorâmica, como nossos colegas estavam fazendo. Fizemos isso, cooptando Cassio para a missão – que começava um promissor desenho com traço branco em papel preto. O desenho branco no preto de Cassio-man teve que ficar para outra oportunidade...
Apelidamos nossa obra de “A Tripa dos Retardatários” e Simon logo emendou que a outra seria “A Tripa dos Pontuais”.
Quando iniciamos eram quase 11 horas, o que nos obrigou a resolver a peleja em apenas uma hora, que é o limite temporal máximo proposto pela prática do Sketch Crawl. (Os desenhos sempre devem ser finalizados no horário pré-agendado no evento).
E dá-lhe traços nervosos, velozes, como se nossos dedos fossem pincéis. Não havia espaço para canetas finas 0.4 nem para lapiseiras 0.9. A batalha teve que ser encarada com grandes pontas e pincéis grossos. Foi uma corrida contra o tempo. O cenário foi sendo sorvido aos poucos, pelo painel. (Imagine se ao ser desenhado, desaparecesse do mundo real...). Sugamos carros, árvores, poste, grafite Grood, painel do Poty, caixa d´água, construção do Lolô Cornelsen, o parapeito onde estávamos...



Fotos: Raquel Deliberali

Lembrei que Van Gogh, ao pintar girassóis, ficava impaciente (para não dizer – puto), porquê as flores murchavam antes que ele terminasse a tela. Monet também pintou diversas versões da mesma vista, na Estação Saint-Lazare, em Paris. Em diferentes épocas do ano.
Longe de mim, comparar a estes gênios. Mas a sensação de apreensão do tempo é parecida. Durante o processo, eu tinha vontade de sobrepor os carros, como fazem alguns fotógrafos, ao submeter o diafragma a extensos tempos de abertura. E superpor os movimentos de todos os transeuntes que passaram – o ranzinza com calça de pijama, o casal de ciclistas apaixonados, os rappers, jornalistas da Gazeta...
Falando nisso, enquanto desenhávamos, foram chegando outros participantes, como a fotógrafa Gabriela Ferreira, que registrou a cena com olhos mecânicos fantásticos. Raquel Deliberali também fez isso, circundando o platô, indo de lado a outro da Praça, capturando tudo.
Ao final concluímos duas imensas tripas urbanóides desenhadas. Fragmentos longilíneos de Curitiba. Cada uma com um aroma específico.
Alguém pode até conjecturar que tratam de suas cidades diferentes – uma mais delgada que a outra. Ou que sejam duas apreensões de tempos diferentes, afinal um grupo começou antes que o outro. Enfim, várias interpretações são possíveis. Até porque existem muitas Curitibas em Curitiba. E mesmo que desenhássemos todo dia, no mesmo local, os desenhos seriam totalmente diferentes um do outro.
Neste exato momento, Curitiba esvai-se pelas ruas do viaduto e modifica os olhos da caixa d´água da Sanepar, a cada novo rasante dos quero-queros, que matam a sede na torneira do mural do Poty.
A cidade se move e modifica como o nanquim, que esparramou na minha mochila antes de sair de casa.
Ela escorre pelos bueiros, como se fosse tinta. As construções, às vezes são apagadas e substituídas por prédios novos. Seus traços são definidos por pinceladas, por traços ora grossos e finos. (depende da altura e da distância de quem olha).
Dizem que a cidade surge de uma torneira que nunca fecha.

(20/05/13)


"Não importa o formato, o tamanho, por quantas mãos passe o desenho. O importante são as pessoas reunidas explorando os traços e o companheirismo, o(s) objeto(s) de trabalho é (são) um mero pretexto para reunir as pessoas."

Cassio Shimizu